Se olharmos para maneira que estruturamos nossos planos, pensamentos e idéias percebemos que estamos sempre focados em um propósito ali na frente. Para alguns essa meta é simplesmente o dinheiro, para outros uma vida de prazer, para outros ainda uma combinação dos dois. Apenas para poucos há espaço para ver que existem coisas que não são prazeres físicos e sensoriais diretos, mas um prazer sutil, uma sensação de paz que vem de levar uma vida correta e ter um papel no esquema do mundo. E ainda raros são aqueles que vendo que tudo que nos circunda tem um prazo de validade muito curto, questionam o próprio objetivo da vida. Não como uma indagação curiosa ou casual, mas com a força de alguém que busca um sentido para si mesmo na roda do mundo. Quando uma pessoa busca por essa resposta e encontra um mestre com o qual ele se conecta, confia e estuda, existe uma transformação completa dessa pergunta: “Qual o propósito da vida?”

Se for dito que o propósito da vida está contido na própria vida, teremos um problema lógico. “A causa não pode estar contida no efeito. Ela tem que existir independente do “efeito” para que seja a causa.” Esse entendimento é bem simples apesar de termos uma tendência a dizer que: “o propósito da vida é viver”.

Se for dito que o propósito da vida é a morte, ou algo que deve acontecer depois da morte, teremos uma inconsistência quanto a impossibilidade de estabelecer uma inteligência no universo. Tudo que nos circunda é banhado em causa e efeito, nada está acontecendo por acaso. A ciência e o conhecimento permeiam tudo que está a nossa volta. O acaso é simplesmente uma expressão pragmática da nossa ignorância ou incapacidade de determinar a causa de um evento. Nesse mundo, que é todo inteligência, dizer que o propósito da vida é morrer ou ir para algum outro lugar diferente de onde estamos não faz sentido. Por que teríamos nascido então? Nascer para morrer? Se já estávamos mortos antes, não iríamos nascer se o propósito fosse a morte. E menos ainda ir para outro lugar, porque teríamos parado aqui então? Um erro divino? Por mais que possamos escutar esse tipo de afirmação ela também não entra em nosso coração.

Assim se existe um propósito para vida, esse propósito deve ser preenchido enquanto vivo, e viver não significa se manter vivo, mas usar do nosso livre arbítrio, sem o qual essa pergunta não faria sentido nenhum. Então a pergunta: “Qual o propósito da vida?” se converte sutilmente para a questão: “Como usar meu livre arbítrio enquanto vivo?”, em outras palavras “Como gostaríamos de viver?”. Porque afinal essa é a nossa única escolha. Não escolhemos nascer, muito menos morrer se temos que usar nosso livre arbítrio, esse uso vai ser na forma de como queremos passar esse tempo por aqui. E surpreendentemente quando nos fazemos essa pergunta muitas vezes reparamos que não vivemos da maneira que gostaríamos.

Essa é uma descoberta incrível, não vivemos como gostaríamos e ainda assim queremos encontrar algo para fazer nessa vida como um objetivo depois dela. Se realmente paramos pensar, percebemos que vivemos presos pelos nossos próprios ideais e com uma habilidade de expressão muito aquém do que precisamos para viver em paz. Começamos com uma idéia absorvida da sociedade de como devemos viver e aos poucos percebemos que não controlamos o mundo a nossa volta. As frustrações se somam e se instalam progressivamente na nossa mente, gerando stress e outras doenças psicossomáticas. Vencemos o mundo, ganhamos dinheiro, vencemos desafios, mas o custo que pagamos nesse processo com a nossa saúde, emoções e depressão, que consomem todos os recursos que alcançamos na forma do dinheiro e o próprio sentimento de conquista. Não que esse seja nosso pensamento a todo o momento, mas esse é pensamento do final do dia, ou  nos momentos que estamos sós.

Acordar para esse fato também é algo que não é simples, nossa mente está programada a pensar, a julgar e competir a tal ponto que começamos a obter prazer em ver a derrota do próximo. Seja através de uma pessoa que passa por nós com um pouco mais de peso e o seu desajeito nos conforta, seja de ver o time do vizinho perdendo, seja porque vejo que controlo as pessoas a minha volta por culpa ou vergonha. Apesar desse comportamento ser comum entre seres humanos é importante notar que ele não é natural à espécie humana, por um motivo muito simples, esse prazer requer uma divisão em relação ao outro que não é real. E é por isso que quando olhamos de perto o sofrimento da outra pessoa nossa humanidade não nos deixa sorrir.

Na biologia aprendemos que toda vez que existe algo comum que não é natural, esse fato se dá devido a um terceiro fator que influencia a massa da população estudada. Nesse caso o terceiro fator é a própria ignorância instalada entre as pessoas e grupos sociais que se propaga em “moto perpétuo”. Por ignorância grupos são perseguidos, o grupo que é discriminado, se fecha, se organiza e se fortalece e ele mesmo agride o outro que se fortalece se fecha e assim continua.

Se quisermos viver em paz e harmonia uns com os outros, talvez romper com esse padrão baseada na ignorância instalada em nós seja um propósito nobre na vida para ser escolhido. Porque no final estamos contribuindo para nós mesmos e para o mundo; e como ser humano ser uma fonte de paz e alegria para as pessoas é o que tem de mais gratificante e prazeroso para se fazer.

Muitos sábios colocam o propósito da vida como autoconhecimento e isso de fato é uma verdade, já que o próprio nascimento é devido à ignorância da nossa verdadeira natureza; mas as vezes essa é uma resposta muito seca para um mundo com tantas necessidades por compaixão como nós vivemos.

Do ponto de vista pessoal podemos colocar o autoconhecimento como propósito, mas do ponto de vista social o propósito será sempre produzir uma Terra do jeito que gostaríamos de viver combatendo as diversas expressões da ignorância do “eu” nos comportamentos humanos.

Assim alguns mestres de vedanta, como o próprio Swami Dayananda, dedicaram suas vidas não só ao estudo das escrituras, mas em prover à comunidade inúmeras iniciativas que tem como objetivo ajudar os necessitados e gerar nas pessoas com recursos materiais o reconhecimento da importância de ser um contribuidor para o mundo.

O Sw. Dayananda fez seu trabalho social sob o nome de Aim For Seva, que literalmente significa “objetivando a contribuição”, nos últimos 13 anos ele sustentou mais de 96 casas para crianças da zona rural estudarem perto das escolas, construiu 10 colégios, 9 centros de saúde e outros diversos projetos que tem como objetivo revitalizar e valorizar a cultura Índia e a cultura hindu à qual pertence.

Em termos de ensino Sw. Dayananda junto com Sw. Chinmayananda, seu professor, ao longo da vida ministraram diversos cursos de longa duração como esse último de 03 anos que tive o privilégio de participar em 2013, formando mais de 150 Swamis ou monges e mais de 1000 professores de vedanta ao longo dos anos. Apesar de só 4 Ashrams serem mais conhecidos pelos alunos do Swami, a verdade é que ele possui inúmeros de centros de estudo e Ashrams espalhados pelo mundo junto com cada professor que se formou com ele.

Essa é uma visão muito importante passada por essa linhagem de ensinamento, não só o foco no autoconhecimento  como ensinado pelos textos de vedanta, mas uma iniciativa de contribuir para nossa sociedade da maneira que estiver ao nosso alcance como parte do nosso “seva”, nossa contribuição voluntária as pessoas. Dessa forma muitos alunos possuem suas próprias iniciativas de caridade e ajuda ao próximo. Muitos também colaboram com o projeto que outros começaram. Como é o caso do Satsanga Online, que montamos com um pequeno grupo de amigos mas hoje conta com o apoio de uma equipe de desenvolvimento e a contribuição de diversos leitores que tem em mente apoiar quem já está estudando, mas sobretudo aquelas pessoas que ainda não tiveram uma oportunidade de acesso ao conhecimento.

No Vidya Mandir no Rio de Janeiro ao longo dos anos a professora Gloria sempre participa de projetos sociais como apoio a crianças carentes e também com diversos projetos como a edição de livros que não possuem fins lucrativos e são feitos com o objetivo de tornar possível suportar outros projetos associados à cultura indiana e o ensino de vedanta.

Assim quando nos perguntamos sobre o objetivo da vida, podemos lembrar da trajetória dos mestres e entender que o propósito é construir uma “vida que gostaríamos de viver”. Isso inclui o autoconhecimento, uma maturidade emocional, apoio à tradição de estudos e realmente se doar às pessoas a nossa volta no que for possível. Nas palavras do próprio Swami “um ser humano se torna maduro quando ele contribuí mais do que ele consome.” Esse é um paradigma para ser entendido no mundo moderno, que prega o consumismo obsessivo como estilo de vida, é também um desafio para um coração que foi treinado desde pequeno a se defender de tudo e todos; porém é um verdadeiro alívio para um coração que sente e chora mesmo que silenciosamente ao caminhar pelo mundo ao ver as pessoas, seus sentimentos e necessidades.

Que Isvhara nos abençoe para encontrar esse “contribuído” em cada um de nós.

 

 

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